quinta-feira, 25 de junho de 2009



POLINÔMIOS

Matemática nunca foi meu forte, principalmente na 7ª série. Lembro, ainda hoje, daqueles terríveis binômios e trinômios e também das expressões aritméticas que mais pareciam monstrengos sob forma escrita. Eu nunca usei tanto a borracha como naquele ano. Fazia, refazia, pensava, refletia, mas esse trabalho árduo aliado com a preguiça pré-adolescente me sucumbia. Recordo-me de fazer cartazes coloridos com as principais fórmulas para tentar refrescar a memória durante a prova. Também houve dias (vésperas de exames de Matemática) que ficava pedindo explicações do conteúdo, até altas horas da noite, para minha mãe e, no outro dia, claro, acordava tenso, ficava mudo e ia ao campo de batalha enfrentar a prova. Minhas armas: um lápis, duas borrachas e uma cola mental infalível: “O quadrado da soma de dois termos é igual ao quadrado do primeiro mais duas vezes o primeiro vezes o segundo mais o quadrado do segundo termo”. E destruía freneticamente aquelas expressões reduzindo-as a resultados inexpressivos como “zero” ou “conjunto vazio”. Tanto trabalho para achar “zero”- que desaforo! – pensava. Enfim, passei por momentos difíceis com polinômios.
Os resultados dos exames sempre causaram frenesi entre meus colegas. Todos queriam tirar nota dez, sobretudo em Matemática. Aguardávamos ansiosamente a professora devolver os resultados de classe em classe; mas antes, como sempre, ela fazia aquele terrorismo barato, afirmando que tínhamos ido mal, que deveríamos estudar, afinal, já estávamos quase na 8ª série, e “blá-blá-blá”, “piriri-pororó”... um discurso prolixo e que entediava qualquer um. Depois desse bombardeio, vinha a recompensa: a nota. Estava acostumado a tirar notas boas, apesar de certa dificuldade em Matemática, mas a surpresa que tive ao vê-la foi fulminante: nota zero. O quê? Zero? Como assim? Zero? Pela primeira vez senti-me literalmente como uma ameba. Dobrei a folha e a pus discretamente na minha pasta, sob olhos atentos dos meus colegas que tentavam descobrir meu resultado. Encarei-os seriamente e, se não bastasse o desgosto, ouvi uma frase da professora que me fez experimentar o amargo fel da inveja: “... e fulaninho da Silva tirou nota dez! Parabéns! Aprendam com ele, turma! Nota dez!”. Cravei olhos de leão naquele sujeito. Por outro lado, sentia-me, agora, inferior a uma ameba.
Na semana seguinte era a recuperação e, pela primeira vez, precisava de nota para passar de ano. Enlouqueci minha família com cartazes de polinômios espalhados pela casa. Perdi a conta de quantas vezes refiz as questões que eu tinha errado. Fiz melodias para decorar as fórmulas, quebrei dois lápis e perdi uma borracha que nunca mais encontrei. Foi um caos aquela semana. No domingo - véspera da prova - cheguei ao cúmulo de me enganar, acordei-me, de manhã, mais cedo, e fui à direção do colégio, e deparei-me, é claro, com o portão fechado. Todo esse clima tenso se amenizou na segunda-feira, quando finalmente fiz minha prova, mas não tinha a menor idéia se eu havia ido bem ou mal. A única percepção que tinha é que havia estudado como nunca. O que me intrigou, entretanto, foi a rapidez com que fiz o exame. Não era normal tamanha agilidade para um conteúdo tão complicado como aquele. Paciência, eu fiz a minha parte, e se realmente, não conseguisse atingir a nota 5, era porque não estava preparado para enfrentar o próximo ano. Por um momento, achei que passaria o resto da minha vida naquela série. Talvez casasse e tivesse filhos com um polinômio.
Último dia de aula: resultado da prova final. Além do frio na barriga não sentia minhas permas, minhas mãos suavam frio e meu coração disparava como um terneiro em campo aberto. Estávamos todos em aula pois mais da metade da turma ficou em recuperação e o silêncio era sepulcral. Todos apreensivos com o resultado e na expectativa de saber se passariam de ano ou não. A professora foi logo avisando que treze alunos foram reprovados e organizou a entrega das notas da seguinte forma: os alunos aprovados receberiam sua nota e deveriam sair da sala e somente após a saída dos mesmos é que ela revelaria a próxima nota, ficando apenas os “candidatos” à reprovação. Éramos mais ou menos uns 30 alunos e fomos reduzindo pouco a pouco, passaram-se dez nomes e nada do meu, passaram mais cinco pessoas e eu já estava num estado deplorável: gostaria de ser uma ameba. Restavam 15 alunos e o próximo nome citado foi da minha colega mais velha que tinha se esforçado horrores para ser aprovada. Faltava um nome apenas e quando a professora pronunciou o meu tive vontade de sacudi-la, agarrá-la. Minha nota: nove. Dei um berro pavoroso, alegria total.
Uma felicidade que nunca havia experimentado. Olhei para o restante da turma: todos me fuzilavam com o olhar. Parei, contive-me. Agradeci muito e saí da sala com uma sensação mista de alegria e tristeza. Alegria, óbvio, pela minha conquista e tristeza por saber que os outros passariam por uma decepção bem maior do que tive na semana passada. Depois dessa passagem, comecei a me preocupar menos com nota e mais com conteúdo. Nossa capacidade de aprendizado e superação não se resumem em pontos. Na verdade não há medidas para captar todo o conhecimento que vivenciamos ao longo do tempo. Um medo, porém, ainda me aflige (e ele tem dez letras): polinômios.

Um comentário:

  1. Ah Fê... e depois tu vens me dizer que não tens talento para escrita?!... se não tens... quem terá?! Que delícia teu texto, adorei! Bei'Ju @"@

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